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Na era da Inteligência Artificial: Quem sabe mais sobre mim?

  • Foto do escritor: Christina Guedes
    Christina Guedes
  • 14 de ago.
  • 3 min de leitura

Durante uma palestra, me fizeram uma pergunta curiosa: “Será que a IA sabe mais de mim do que eu mesma?” A plateia riu, mas confesso que a pergunta ficou ecoando dentro de mim e talvez ecoe em você também.


Vivemos uma era em que muito se fala sobre saúde mental. Mas, ao mesmo tempo, em que se fala, também se busca. E hoje, essa busca, curiosamente, passa muitas vezes por uma inteligência artificial.


Agosto de 2025. O que proponho aqui é uma pausa para refletirmos juntos.


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É realmente assustador procurar uma IA como ponto de partida para o autoconhecimento?

Talvez Sim ou Talvez Não. Só você poderá saber e vivenciar o resultado de suas escolhas.

IA pode ser um tipo de livro de autoajuda: ela organiza palavras, devolve pensamentos, interpreta comportamentos e dá sugestões baseadas no que é fornecido. Isso pode abrir caminhos. Pode tocar em algo. Mas ATENÇÃO ainda é desconhecido.

Afinal, a IA responde a partir daquilo que você mesmo entrega a ela, e talvez esse seja o maior ponto de atenção: o risco de reforçar a própria repetição, aquela mesma forma de viver, de se relacionar, de se proteger, de se esconder, que silenciosamente leva ao adoecimento psíquico.


É aqui que entra o papel da psicoterapia e, mais profundamente, da psicanálise.

Enquanto as tecnologias nos oferecem respostas rápidas e funcionais, o psicanalista oferece um espaço onde a repetição pode ser escutada e atravessada. O trabalho psicanalítico é uma escuta que rompe escolhas automáticas, ele se volta à singularidade de uma história e possibilita que novas escolhas sejam feitas a partir da apropriação do que se vive.


Gosto de pensar na metáfora do barro.

Todos sabemos que o barro pode virar um objeto valioso, seja por seu valor financeiro, seja pelo valor afetivo. Mas o barro, sozinho, não se constitui como um objeto. É preciso amassar, sentir a textura, observar a umidade, ajustar a força da rotação da base, respeitar o tempo, o clima, o calor do ambiente. Um detalhe muda tudo.

Assim é o trabalho analítico: artesanal, cuidadoso, único. É preciso tempo e presença para dar forma a algo que, até então, era um desconhecido familiar.


Freud já dizia: a psicoterapia é como pintar uma tela, você vai colocando elementos. Já a psicanálise é como esculpir uma pedra, você precisa retirar o excesso com delicadeza para revelar o que está ali, no núcleo.

O perigo? Retirar demais e destruir a essência.

O desafio? Esculpir com precisão algo que ainda não se vê.


Quando falamos em inconsciente, não falamos apenas de algo que “esquecemos”, mas de uma instância que nos atravessa forma inconsciente.

Como a memória: sabemos que ela existe, mas não conseguimos pegá-la com as mãos.

Como os sonhos: sabemos que os sonhamos, mas nem sempre conseguimos explicá-los.

Assim também é o inconsciente, ele age, fala, sonha, silencia.


A inteligência artificial pode, até, ser um ponto de partida. Mas o aprofundamento, o cuidado e o respeito pela vida humana, aquilo que toca as marcas mais íntimas da nossa história, exige algo que nenhuma tecnologia consegue substituir: um Ser Humana.


Ainda estamos engatinhando nessa convivência entre IA e Saúde Mental. Mas precisamos ter cautela quando falamos saúde mental. Os dados que geramos hoje vão, em algum momento, se transformar em novas perguntas e talvez a mais inquietante delas seja:


Quando buscamos uma inteligência artificial para saber quem somos…

Quem somos nós, afinal, neste mundo contemporâneo?


Christina Guedes

Psicanalista

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