🌐 Quem sonha por nós? A subjetividade em tempos de algoritmos.
- Christina Guedes

- 27 de jun.
- 3 min de leitura
Estou aqui refletindo sobre o investimento bilionário da Meta na empresa Scale AI.
Seria apenas uma aquisição estratégica para fortalecer modelos avançados de inteligência artificial? Ou estamos nos aproximando de algo ainda maior, uma IA geral, global, integrada, talvez até dotada de uma nova identidade, capaz
de dominar o algoritmo que rege o mundo?
Nesse mercado ditado pela velocidade e pela imaginação digital, o tempo parece ter desaparecido. Para muitos, isso soa como um “golpe de mestre”. Para outros, é o prenúncio de uma nova era. Mas há algo mais silencioso e profundamente transformador, acontecendo sob nossos olhos: a IA vem operando uma transformação subjetiva nas relações sociais, nos afetos e nos desejos.
Somos todos observadores desse fenômeno. Alguns, mais conscientes; outros, com o “modo automático” ativado, permitindo que a inteligência artificial atue livremente sobre suas escolhas, ideias e percepções.

Aquilo que deveria ser próprio e único — uma escolha consciente — passa a ser influenciado, induzido, moldado. A IA planta dúvidas e certezas, move comportamentos e redefine o mundo sem considerar os impactos coletivos, sem ordenação, regulação ou critérios éticos, morais, sociais e ambientais sólidos.
Diante disso, me pergunto: não seria este o momento de pensarmos na criação de um novo órgão regulador global? Uma instância com critérios claros, diretrizes éticas e objetivos que contemplem não apenas o uso corporativo, mas também o direito do consumidor, o cuidado com a subjetividade humana e os impactos socioculturais dessa nova era.
Assim como o Banco Central regula o mercado financeiro, a Anvisa os medicamentos, a Anatel as telecomunicações e a Anac a aviação, precisamos de uma entidade que zele pela integridade psíquica e simbólica diante do uso massivo de dados e da influência tecnológica na formação do sujeito contemporâneo.
Falamos de ética e de governança de dados, mas ainda não tocamos o ponto mais essencial: que tipo de sociedade estamos criando?
A inteligência artificial veio para ficar e já faz parte do nosso cotidiano. Com ela, emerge também uma nova psicologia social. A IA organiza dados, antecipa escolhas, sugere caminhos e alimenta desejos. E é justamente aí que mora a inquietação: estamos perdendo o espaço do imprevisto, da pausa, da dúvida, elementos fundamentais para a construção de uma identidade própria, para o amadurecimento psíquico e para a liberdade de escolha.
É urgente aprender a preservar esses espaços e a desenvolver novas formas de amadurecimento subjetivo. Afinal, a longevidade também é uma realidade da vida moderna, e quem seremos nós, ao longo de décadas, se delegarmos às máquinas nossos sonhos e decisões?
A psicanálise contemporânea nos lembra que o sujeito se constitui na falta, no intervalo, no tempo do não saber. Na travessia entre o desejo e a realidade, ele constrói sua singularidade.
Mas como sustentar essa singularidade em um mundo onde os algoritmos já sabem o que vamos querer amanhã?
Talvez este seja um momento histórico. Um convite para propor uma nova forma de regulamentação, não apenas técnica ou mercadológica, mas profundamente humana, ética e simbólica. Uma regulação que compreenda a complexidade do psiquismo, da cultura e da liberdade subjetiva.
Estamos diante de uma nova era. E, nela, mais do que nunca, é preciso manter viva a pergunta:
Que tipo de ser humano estamos formando quando deixamos que máquinas sonhem por nós?
Christina Guedes
Consultoria em Segurança Psicológica Corporativa


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